O ÔNUS DA PROVA E A REDISTRIBUIÇÃO DINÂMICA
Resumo:
O presente artigo tem o condão de nos apresentar as regras ordinárias de distribuição estática do ônus da prova, bem como, que a regra de distribuição do ônus da prova pode ser alterada pelo magistrado, de modo a equiparar a força probatória das partes dentro de um processo judicial.
O artigo também irá nos mostrar qual o momento oportuno para que o juiz faça esta redistribuição, pautando nas regras ordinárias de experiência e efetividade processual.
- Notas introdutórias
Primeiramente ideal definirmos as primeiras noções do artigo, ou seja, delimitar o que vem a ser ônus da prova; qual a regra geral; a quem compete à produção; quais as exceções; bem como qual o momento processual adequado para que o magistrado redistribua.
Desta sorte, ônus da prova é a obrigação imposta por lei ao sujeito participante do processo capaz de lhe gerar decisão favorável.
Via de regra, o ônus da prova incumbe ao autor quanto aos fatos constitutivos de seu direito, e ao réu, quanto a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
Como exceção poderá o Magistrado imputar o ônus da prova de forma diversa, desde que, atendidos alguns requisitos que a legislação exija.
Por fim, cabe lembrar que se tratando de processo, há forma e tempo predeterminado para a prática de qualquer ato, e dai que surgem os principais questionamentos sobre o momento adequado para se atribuir a inversão dinâmica do ônus da prova.
2. Ônus da prova
O ônus da prova nada mais é do que a obrigação imposta por lei a determinado sujeito jurídico processual de provar fato alegado por si, ou alegado por outro, mas que a este incumbe o dever de provar o inverso.
Desta maneira, muito embora em sua essência efetivamente seja um ônus, entendo que vai mais além, sendo certo, que se trata efetivamente de um direito à defesa, e não apenas um ônus intrinsecamente.
Cassio Scarpinella Bueno define o ônus da prova como “a indicação feita pela própria lei de quem deve produzir a prova em juízo. A palavra ‘ônus’ relaciona-se com a necessidade da prática de um ato para a assunção de uma específica posição de vantagem própria ao longo do processo e, na hipótese oposta, que haverá muito provavelmente um prejuízo para aquele que não praticou o ato ou o praticou insuficientemente”, apud Elias Marques de Medeiros Neto¹
Para Teresa Arruda Alvim Wambier “Ônus é um encargo, previsto em lei, atribuído às partes em seu próprio interesse. Caso se desincumbam desse encargo, poderão colocar-se em situação de vantagem. Se, porém, dele não se desincumbirem, deixarão de obter a vantagem de que poderia ter usufruído se o tivessem exercido, podendo vir a sofrer eventuais consequências negativas.”²
Portanto, podemos concluir sem mais delongas que ônus da prova é o dever legal de provar fato à que a lei lhe impute referido dever.
3. Regra geral
O Código de Processo Civil previu em seu artigo 373 que o ônus da prova incumbe ao autor quanto ao fato constitutivo de seu direito, e ao réu quanto a fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, senão vejamos:
Art. 373. O ônus da prova incumbe:
I – ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;
II- ao réu, quanto a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor³.
Desta feita, a regra geral do ônus da prova imputa ao autor o ônus de comprovar a alegação de fato constitutivo do seu direito, e ao réu a alegação de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
Neste sentido, temos que fato constitutivo é aquele pelo qual uma vez violado gera em favor do autor da ação um direito previamente estabelecido.
Fato impeditivo, por sua vez, é aquele que uma vez demonstrado, obsta o direito do autor, podendo o Magistrado julgar improcedente o pedido total ou parcialmente.
Fatos modificativos, na lição de Nelson Nery Junior “São os que impedem que o pedido do autor seja acolhido de forma integral, como pleiteado na inicial, em virtude de modificações ocorridas entre os negócios havidos entre autor e réu. O juiz pode julgar procedente o pedido do autor, mas com as modificações que a situação concreta impõe. São exemplos de fatos modificativos do direito do autor a novação, a compensação etc. Podem ser incluídas nessa categoria todas as formas de extinção das obrigações, desde que a extinção seja parcial: pagamento por sub-rogação, imputação no pagamento, pagamento por consignação, transação, novação, compensação, confusão etc.”4
Fatos extintivos são por sua vez aqueles que tornam inaptos totalmente o direito que o autor alega possuir, por exemplo, o pagamento integral do débito.
Ainda nos dizeres de Nelson Nery Junior “São os que tornam improcedente o pedido do autor, porque extintivos do direito posto em causa. São exemplos de fatos extintivos do pedido do autor o pagamento, a prescrição, a decadência, a execução plena do contrato, a morte do titular de direito personalíssimo e intransmissível etc. Podem ser incluídas nessa categoria todas as formas de extinção das obrigações, desde que a extinção seja total: pagamento por sub-rogação, imputação no pagamento, pagamento por consignação, transação, novação, compensação, confusão etc.”5
Assim, uma vez estabelecido a regra geral de distribuição sistêmica do ônus de provar, adiante passaremos expor ao ponto central do presente artigo, ou seja, a distribuição diversa do ônus da prova e qual o momento oportuno para que o magistrado o faça.
4. Distribuição dinâmica do ônus da prova
Sabendo, exatamente a regra geral, imputa-nos demonstrar as condições em que poderá o Magistrado distribuir a regra do ônus da prova de forma diferente.
Primeiramente, o Código de Defesa do Consumidor previu em seu artigo 6º, VIII que o Juiz poderá, a seu critério realizar a inversão do ônus em facilitação à defesa do consumidor, senão vejamos:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
…
VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;6
Desta forma, o Código de Defesa do Consumidor dispõe que o juiz poderá facilitar a defesa do consumidor quando a alegação for verossímil ou quando for ele hipossuficiente.
Neste sentido, ao analisarmos a regra contida no inciso supra, chegamos a conclusão de que a inversão do ônus da prova não é automática, ou seja, incumbe ao juiz analisar a viabilidade e necessidade, bem como, podemos acentuar que os requisitos que autorizam à inversão não são cumulativos, podendo, estar presente apenas a hipossuficiência do consumidor e a ausência alegação verossímil, tratando-se, portanto de inversão ope iudicis.
Nas lições de Daniel Amorim “É evidente que não basta, nesse caso, a relação consumerista, cabendo ao juiz analisar no caso concreto o preenchimento dos requisitos exigidos por lei”7.
Neste contexto, importa-nos tecer que o Código de Processo Civil revogado não possuía previsão neste sentido, sendo certo, que o Juiz poderia distribuir de forma diversa apenas nas relações de consumo.
Desta feita, o Legislador Federal do CPC de 2015 inovou e trouxe no parágrafo primeiro do artigo 373 a possibilidade de o Magistrado realizar a inversão desta regra, de modo, a facilitar a obtenção da prova ou impedir que a produção da prova seja impossível ou excessivamente difícil a parte a quem competia originalmente.
Desta forma, assim prevê o referido parágrafo:
§ 1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído. 8
Assim, tal como posto no Código de Defesa do Consumidor o legislador viu por bem atribuir ao magistrado o poder de distribuir o ônus de forma diversa, a fim de alcançar a finalidade do processo em sua plenitude.
Neste cotejo a inversão do ônus da prova se fará mediante observância ao contraditório, ampla defesa e vedação das decisões surpresas.
Para Teresa Arruda Alvim Wambier “presentes certas condições, o ônus da prova poderá ser distribuído de forma diversa daquela prevista no caput. Assim, o juiz poderá, a partir da análise, no caso concreto, de quem está em melhores condições de produzir prova, distribuir o respectivo ônus entre as partes, de forma diversa daquela fixada na lei. Mas deverá fazê-lo, de forma fundamentada, na decisão de saneamento e organização do processo, de maneira a não colher as partes de surpresa e assegurar-lhes tempo hábil para se desincumbirem do ônus que originariamente não lhes cabia.”9
Não obstante ser inovação legislativa processual, tal fato já ocorria em diversas jurisprudências anteriores à vigência do CPC2015, sendo certo, portanto, que o código inseriu em suas linhas prática comum dos Tribunais.
Desta forma, a redistribuição de ônus da prova é eficaz e afasta sobremaneira decisões injustas, uma vez, que sendo a prova impossível para a parte originalmente obrigada, poderá ser facilmente produzida pela contrária, alcançando assim o processo constitucional de mérito justo e eficiente.
Outro ponto importante que devemos ressaltar é o momento processual que deve o juiz observar para fazer esta redistribuição.
O artigo 357 do CPC prevê que o magistrado deverá em decisão de saneamento e de organização do processo definir a distribuição do ônus da prova, senão vejamos:
Art. 357. Não ocorrendo nenhuma das hipóteses deste capítulo, deverá o juiz, em decisão de saneamento e de organização do processo:
…
III – definir a distribuição do ônus da prova, observado o art. 373;10
Neste cotejo, a primeira impressão que temos é que a regra de redistribuição do ônus da prova é regra de instrução e não de julgamento, ou seja, deve o magistrado em decisão antecipada e fundamentada organizar o processo de modo a evitar surpresas às partes que atuantes.
A postura exigida ao magistrado respinga nos princípios da vedação das decisões surpresas insculpidos nos artigos 9º e 10 da legislação processual, que assim dispõem:
Art. 9º Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida.
e
Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.
Desta forma, não obstante haver determinação legal demonstrando que o magistrado deverá fazer a redistribuição em decisão de saneamento, não nos parece existir qualquer problema se tal decisão se dê em outro momento (anterior ou posterior), desde que, respeitado o contraditório amplo e efetivo.
Cassio Scarpinella Bueno assim descreve “O núcleo essencial do princípio do contraditório compõe-se, de acordo com a doutrina tradicional, de um binômio: “ciência e resistência” ou “informação e reação”. O primeiro desses elementos é sempre indispensável; o segundo, eventual ou possível”.11
Portanto, mesmo após a decisão de saneamento do processo poderá o magistrado em decisão fundamentada determinar à redistribuição da prova, abrindo prazo a parte obrigada e determinando especificadamente a prova que deverá ser produzida.
No mesmo sentido leciona Jose Miguel Garcia Medina “Trata-se na verdade, de um falso dilema: o ônus da prova é regra de julgamento, mas, tendo em vista que esta regra não é aquela ordinariamente utilizada, deve a parte contra a qual se inverteu o ônus da prova ser informada que se observará tal alteração. Solução diversa, por surpreender a parte, implicaria em violação ao princípio do contraditório”12
Assim a redistribuição dinâmica do ônus da prova se dá para melhor satisfazer as necessidades probatórias do processo, de modo a assegurar as partes igualdade de armas para se chegar a uma solução mais próxima do justo.
5. Conclusão
Podemos notar no desenrolar do presente artigo que a matéria não possui grandes dificuldades de compreensão, sendo certo, que a critério do juiz e das peculiaridades da causa, poderá este redefinir as regras ordinárias, modificando essencialmente a carga probatória.
Tal postura adotada pelo magistrado deverá atender ao princípio contraditório pleno e eficaz, ou seja, informar à parte agora obrigada do ônus e dar-lhe prazo razoável para se desincumbir do ônus imposto.
6. Referências Bibliográficas
WAMBIER. Teresa Arruda Alvim. Primeiros comentários ao novo código de processo civil : artigo por artigo / coordenação Teresa Arruda Alvim Wambier… [ et al.]. – 2. ed. ver., atual e ampl. – São Paulo : Editora revista dos Tribunais, 2016
Nery Junior, Nelson. Código de Processo Civil Comentado, 14ª ed. rev. atual. ampl. Revista dos Tribunais. 2014
BUENO, Cassio Scarpinella. manual de direito processual civil : volume único / Cassio Scarpinella Bueno. – 4. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2018
MEDINA, Jose Miguel Garcia. Direito processual civil moderno : – 2. ed. rev., atual e ampl – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2016
TARTUCE, Flavio. Manual de Direito do Consumidor : direito material e processual / Flavio Tartuce, Daniel Amorim Assumpção Neves. 3ª ed. Rio de Janeiro. Forense: São Paulo: MÉTODO. 2014
7. Footnotes
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² primeiros comentários ao novo código de processo civil : artigo por artigo / coordenação Teresa Arruda Alvim Wambier… [ et al.]. – 2. ed. ver., atual e ampl. – São Paulo : Editora revista dos Tribunais, 2016. pág. 721
³ BRASIL. Lei 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm. Acesso em: 21.jun.2019.
4 Nery Junior, Nelson. Código de Processo Civil Comentado, 14ª ed. rev. atual. ampl. Revista dos Tribunais. 2014. pág. 739
5 Nery Junior, Nelson. Código de Processo Civil Comentado, 14ª ed. rev. atual. ampl. Revista dos Tribunais. 2014. pág. 739
6 BRASIL. Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm. Acesso em: 21.jun.2019.
7 TARTUCE, Flavio. Manual de Direito do Consumidor : direito material e processual / Flavio Tartuce, Daniel Amorim Assumpção Neves. 3ª ed. Rio de Janeiro. Forense: São Paulo: MÉTODO. 2014. pág. 565
8 BRASIL. Lei 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm. Acesso em: 21.jun.2019.
9 primeiros comentários ao novo código de processo civil : artigo por artigo / coordenação Teresa Arruda Alvim Wambier… [ et al.]. – 2. ed. rev., atual e ampl. – São Paulo : Editora revista dos Tribunais, 2016. pág. 724
10 BRASIL. Lei 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm. Acesso em: 21.jun.2019.
11 BUENO, Cassio Scarpinella. manual de direito processual civil : volume único / Cassio Scarpinella Bueno. – 4. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2018, pág. 52
12 MEDINA, Jose Miguel Garcia. Direito processual civil moderno : – 2. ed. rev., atual e ampl – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2016, pág. 662

Thiago Vieira
Thiago Vieira de Sousa, é Advogado inscrito na OAB/SP sob o nº 359.997, militante nas áreas do Direito Privado, com ênfase em Direito Civil, Bancário, Consumidor e Imobiliário.
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